quarta-feira, 5 de maio de 2010

PRESENTES DA PÊGA

Tudo começou naquele sábado em que desmontámos o ATL !

A vizinha da casa ao lado tinha no estendal da roupa uma cueca branca XXX...L.

Ao lado a bandeira portuguesa com as cores já debotadas, cravada de molas da roupa dos quatro lados.

"Dava uma boa foto ! " comentou um de vocês.

Mas a Canon não carregava pastas, dossiers e afins, por isso jazia no seu saco pendurado no bengaleiro lá de casa.

Que aldrabona !

Tudo começou quando, finalmente !, aconteceu a tão esperada reunião em que obteria a crítica do meu primeiro professor de fotografia às imagens que compuseram a minha primeira exposição individual.

Gostei dos preliminares !

Principalmente quando me ajudaste a entender sobre a crescente dificuldade em ainda conseguir ver algo de novo quando se pisam as mesmas pedras, se dobram as mesmas esquinas, se veem as mesmas pessoas há tantos anos.

É essa a principal atracção numa fotografia de um lugar a que não nos habituámos !

A inevitável e irracional atracção humana pelo desconhecido...

Todas as fotos que disseste "desta gosto muito" também eram de estendais e deram-me um gozo tirá-las !

Quase consegui ver a cara daqueles gémeos separados simetricamente pela vara que suportava a corda onde estavam penduradas, do centro para as pontas da imagem, dois pares de calças azuis seguidos de dois pares castanhos seguidos de duas camisolas de riscas, idênticas !

Tudo virado do avesso, suportado pelas molas nos mesmo locais.

A vara que suportava a corda era apenas o vidro do espelho...

E aquela outra ?

Quando perdida no meio de uma das travessas procurei ver a cor do céu e me dei conta daquele outro estendal:

- da esquerda para a direita: as collants de vidro da mãe seguidas das collants brancas de malha do bébé seguidas das calças de ganga do pai...

E a brisa também parecia ter contemplado o cenário e entendido participar na cena !

Uma das pernas das collants de vidro estava, carinhosamente, dobrada de forma a cruzar novamente a corda do estendal ficando sobre o cós das calças de ganga...

Que aldrabona !

Tudo começou quando querias "fazer bonito" e brincar às donas-de-casa e estendias a roupa colocando as molas com cores simétricas em relação ao centro de cada peça e tentavas ocupar o tempo para preencher o vazio do abandono das "artes" porque tudo o que fazias nessa área não era reconhecido no contrato de casamento que assinaras.

Que aldrabona !

Tudo começou quando finalmente te deixaram pôr a mão em cima daquela agulha de crochet em osso toda torneada que te desafiava da caixa da costura da tua mãe.

Uma agulha de crochet em osso toda torneada... sem idade ! sem origem !

A inevitável e irracional atracção humana pelo desconhecido.

Teria cinco anos, eu !

Lá em casa guardava-se tudo e havia fios de embrulho de todas as cores, todos da mesma grossura.

Atados uns aos outros e enrolados com a paciência de quem viveu toda a vida para a casa/família davam origem a novelos multicoloridos óptimos para serem trabalhados por uma agulha de crochet em osso toda torneada... sem idade ! sem origem ! e pelas minhas mãos com cinco anos.

Fazer cordão para a pêga dava-me a hipótese de ficar sentada onde eu quisesse sem ser incomodada por ninguém uma tarde inteira, situação ideal para voar com a imaginação que a cabeça e o coração dos cinco anos me permitiam…

“Vais fazer cordão para a pêga. Depois pendura-se no estendal da roupa e… se estiver bem feito !, a pêga traz uma prenda.”

Descobri que foi agora que a pêga me trouxe uma prenda, uma não, várias !

Todas as imagens que capturo dos estendais são os presentes que a pêga me dá em troca do esmero e dedicação com que aos cinco anos lhe fiz metros de cordão ( sim, porque o cordão ela, a pêga, levou-o sempre do estendal, à sucapa… durante o meu sono… ).

2 comentários:

Madness disse...

este texto faz parte integrante do conjunto de imagens com o mesmo título

estas imagens foram expostas em Lisboa, na Casa de Pedrógão Grande, numa mostra colectiva, em 9.Abr.2005

isolina disse...

O que dá colorido à nossa vida é essa capacidade de sonhar, mesmo quando alguém por algum motivo nos tenta arrancar os sonhos é preciso manter vivas as pegas da nossa infância. Gostei muito.Isolina

 

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